Sócrates e Êutifron encontram-se no Pórtico do Rei. Um jovem chamado Mileto apresentou uma queixa contra Sócrates:
“Diz ele que sabe de que modo os jovens são corrompidos e quem são os que os corrompem. […] Diz que sou um fazedor de deuses. E, como invento novos deuses e não acredito nos antigos, acusou-me por causa disso” (p. 5-6, Kindle).
Êutifron, por sua vez, havia acusado o próprio pai de homicídio. O caso envolvia um empregado do pai que, embriagado, brigou com um escravo e acabou matando-o. O pai de Êutifron prendeu o empregado numa vala e enviou alguém a Atenas para consultar as autoridades sobre como proceder. No entanto, o empregado preso morreu de fome e frio antes que o enviado retornasse. Os parentes ficaram indignados com Êutifron por acusar seu pai e, assim, parecer defender um homicida. Porém, para Êutifron, o que importa é o que os deuses determinam sobre o que é piedoso e ímpio.
Sócrates admira a certeza de Êutifron em relação às questões divinas e questiona o que ele entende por piedade e impiedade. A primeira resposta de Êutifron é que piedade significa “perseguir os que cometem injustiças” (p. 10, Kindle). Ele cita o exemplo dos deuses:
“Pois os próprios homens que reconhecerem Zeus como o melhor e o mais justo dos deuses concordam que ele aprisionou o pai por devorar criminosamente os filhos, concordando, por outro lado, que esse mutilou o seu pai por semelhantes razões” (p. 10, Kindle).
Sócrates, no entanto, mostra dificuldade em aceitar essas histórias sobre os deuses. Para Êutifron, seria piedoso denunciar o pai por homicídio, já que a piedade consiste no que agrada aos deuses. Sócrates questiona essa visão, argumentando que é vago afirmar que algo é piedoso apenas porque é amado pelos deuses. Ele sugere que, se os deuses amam a piedade, devem ter uma razão, e essa razão deve ser investigada.
Para Sócrates, a piedade é uma parte da justiça. Êutifron concorda em parte, mas afirma que piedade e devoção são aspectos da justiça relacionados aos cuidados com os deuses, entendendo piedade como um serviço aos deuses.
Sócrates critica a falta de clareza de Êutifron sobre o que é piedade e impiedade, considerando inconveniente que ele acuse o próprio pai, um homem mais velho, especialmente por um caso envolvendo um servo.
O diálogo termina sem uma definição clara de piedade. Êutifron, desconfortável com o questionamento contínuo de Sócrates, decide ir embora, e a discussão fica em aberto.
Reflexões:
1. No contexto da Grécia antiga, a atitude do pai de Êutifron deveria ser considerada homicídio e impiedosa?
2. Êutifron estava certo em denunciar o próprio pai nesse contexto?
3. Como você avalia os argumentos de Êutifron para considerar seu pai um homicida?
4. O que acha da atitude de Sócrates, que questiona as certezas de Êutifron acerca das coisas divinas?
5. Quais são as consequências de estabelecermos convicções sem clareza sobre o que realmente cremos ou nos referimos?
6. Qual o problema de uma associação direta (transferência) entre moralidade e religião?
7. Afinal, se nossas crenças não suportam o escrutínio da razão, o que, de fato, estamos seguindo?
Bibliografia
PLATÃO. Box Grandes Obras de Platão (Portuguese Edition). Mimética. Edição do Kindle.