Proponho uma reflexão sobre a declaração da Procuradora-Geral dos Estados Unidos, Pamela Bondi, que afirmou: “O presidente Trump e eu estamos dedicados a acabar com a discriminação ilegal e a restaurar a oportunidade baseada no mérito” (Carta Capital, 27/03/2025). Essa afirmação revela a forma equivocada como a extrema-direita compreende as políticas afirmativas e o conceito de mérito. Antes de aprofundarmos essa discussão, é fundamental definir os termos envolvidos.
Inicialmente, devemos analisar o significado do termo “falácia” no contexto deste texto. Não o utilizo no sentido mais comum de engano, erro ou falsidade, mas sim em seu sentido filosófico. Segundo Aristóteles, uma falácia é um raciocínio falso que aparenta ser verdadeiro. Nesse sentido, afirmar que políticas de diversidade, igualdade e inclusão geram uma discriminação ilegal constitui uma falácia, pois trata-se de um argumento enganoso que, à primeira vista, pode parecer lógico. Mais adiante, explicarei essa perspectiva com maior detalhamento.
O segundo conceito a ser esclarecido é o de meritocracia. Esse sistema baseia-se na ideia de que as recompensas — seja em termos de riqueza, prestígio ou posição social — devem ser distribuídas de acordo com o mérito individual. Em uma competição esportiva, por exemplo, o prêmio deve ser concedido ao melhor atleta, e não distribuído igualmente entre todos os participantes. De modo similar, em um curso de medicina, apenas aqueles que cumprem todas as exigências acadêmicas devem obter o diploma e a licença para exercer a profissão. Aristóteles afirmava que “os prêmios devem ser distribuídos de acordo com o mérito” (2021, p. 95), ressaltando que reconhecer o mérito é um ato justo e sua negação, uma injustiça.
Outro aspecto relevante é a definição das políticas de diversidade, igualdade e inclusão, que são alvo de oposição por parte de Trump e seus aliados. Essas políticas consistem em um conjunto de iniciativas adotadas por empresas, universidades e órgãos governamentais com o objetivo de promover a equidade de oportunidades e combater desigualdades históricas. Elas são direcionadas a grupos que tradicionalmente possuem menor representatividade e acesso a direitos e oportunidades, como pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência, populações indígenas e comunidades LGBTQIA +.
Diante desse contexto, onde reside a falácia na ideia defendida por Trump e seus seguidores de que é necessário eliminar a discriminação ilegal e restaurar a oportunidade baseada no mérito? O equívoco está na concepção de que toda discriminação é necessariamente ilegal e injusta. O princípio da igualdade preconiza que todas as pessoas devem ser tratadas da mesma forma, independentemente de gênero, idade, classe social, cor, religião etc. Entretanto, quando a aplicação irrestrita dessa regra gera distorções ou injustiças, torna-se necessário buscar a equidade. Aristóteles argumentava que “o equitativo é justo, mas não legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal […] uma correção da lei onde ela falha em razão de sua universalidade” (2021, p. 110). Dessa forma, a equidade representa uma forma superior de justiça, pois interpreta a lei com discernimento e considera as circunstâncias individuais e as diferenças estruturais.
Para ilustrar esse ponto, podemos recorrer a exemplos do esporte. Nos campeonatos de lutas, a separação entre homens e mulheres é uma discriminação necessária e justa, pois garante a segurança dos atletas e assegura condições equitativas de competição. Da mesma forma, na Fórmula 1, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) estabelece regras para evitar que algumas equipes obtenham vantagens desproporcionais sobre as demais. Isso inclui a unificação de motores, a limitação aerodinâmica, a padronização de componentes e a imposição de tetos orçamentários. Todas essas medidas visam garantir um equilíbrio competitivo, evidenciando que a busca por equidade em uma disputa não compromete a justiça, mas a aprimora.
Se realmente desejamos que o mérito e o esforço individuais sejam reconhecidos de maneira justa, é imprescindível que haja igualdade de condições. Em qualquer competição de corrida, queimar a largada é proibido; todos os competidores devem partir do mesmo ponto e ao mesmo tempo. Se pensarmos em termos de ascensão social, para que essa condição seja minimamente atingida, torna-se necessário adotar medidas de “discriminação positiva”, também conhecidas como ações afirmativas. Essas políticas visam corrigir desigualdades históricas e proporcionar oportunidades a grupos marginalizados, criando maior equidade na sociedade e reduzindo as barreiras enfrentadas por minorias em áreas como educação, mercado de trabalho e política.
O mérito só pode ser plenamente significativo quando todos possuem oportunidades equivalentes desde o início. Enquanto essa condição não for atingida, é essencial a implementação de políticas que promovam a igualdade na diversidade, pois a diferença entre os indivíduos não é um obstáculo, mas uma vantagem evolutiva fundamental para a sobrevivência da espécie e, claro, para nossa plena humanização.
Referências
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [recurso eletrônico]. traduzido por Maria Stephania da Costa Flores. Jandira : Principis, 2021.
CARTA CAPITAL. Governo Trump vai investigar universidades da Califórnia por políticas de diversidade. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/governo-trump-vai-investigar-universidades-da-california-por-politicas-de-diversidade/ Acesso em: 29 mar. 2025.