O Carnaval de 2025 é uma oportunidade para relembrarmos um dos sambas-enredo mais emblemáticos da história: “Liberdade! Liberdade! Abre as Asas Sobre Nós”. Composto e interpretado por Dominguinhos do Estácio (Domingos da Costa Ferreira), o samba marcou o desfile da Imperatriz Leopoldinense, escola de samba campeã do carnaval carioca de 1989. Seu refrão marcante ecoa até hoje:
“Liberdade!, Liberdade!
Abre as asas sobre nós
E que a voz da igualdade
Seja sempre a nossa voz…”
Refletindo sobre a liberdade, esse verso do samba-enredo vem imediatamente à mente, em pleno início do Carnaval de 2025. A canção de Dominguinhos do Estácio vincula à liberdade à igualdade, um elo fundamental, especialmente diante do uso contemporâneo do conceito de liberdade. Em muitos contextos, a liberdade econômica tem sido invocada como justificativa para o aumento da desigualdade social. O jurista Fábio Konder Comparato (2006) destaca a complexidade do termo no mundo moderno:
“Em contraste com a concepção relativamente unívoca que os antigos tinham da liberdade, na idade moderna tal conceito tornou-se objeto de inúmeras controvérsias. Montesquieu assinalou que ‘não há palavra que tenha recebido mais significações diferentes, e que tenha marcado os espíritos de tantas maneiras, quanto essa’. No mesmo sentido, Hegel afirmou que ‘não se sabe de nenhuma ideia seja tão indeterminada, ambígua, suscetível de tão grandes equívocos e, por isso, efetivamente sujeita a eles, quanto à ideia da liberdade'” (p. 542-543).
Ao longo da história, diversas lutas foram travadas em nome da liberdade, mas seu significado depende sempre do contexto. Afinal, de que liberdade falamos? Política? Religiosa? Econômica? De imprensa? Individual? De opinião? No samba de Dominguinhos do Estácio, a liberdade está associada à abolição da escravatura e à Proclamação da República, ligando-a diretamente à igualdade.
Nos dias atuais, o conceito de liberdade assume significados muitas vezes contraditórios. Para alguns, liberdade é a possibilidade de expressar qualquer opinião, mesmo que ofensiva ou prejudicial a terceiros. Para empresários ultraliberais, é a capacidade de produzir com o menor custo possível, mesmo que isso implique exploração da mão de obra e degradação ambiental. Há também aqueles e aquelas que enxergam a liberdade unicamente como a opção de concordar com a maioria. Enfim, parece que cada um tem seu próprio conceito de liberdade.
Filósofos e economistas de diferentes correntes ideológicas discutiram a liberdade ao longo dos séculos: Platão, Hobbes, Locke, Rousseau, Hegel, Kant, Adam Smith, Stuart Mill, Hayek, Friedman, Hannah Arendt, entre outros e outras. No entanto, o samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense traz um enfoque especial ao vincular liberdade e igualdade. Sem igualdade, a liberdade pode se tornar apenas um pretexto para a opressão, a exploração e a ganância.
Neste Carnaval, que o povo brasileiro continue a celebrar e refletir sobre esses valores fundamentais. E que a “senhora Liberdade” siga de mãos dadas com a “senhora Igualdade”, abrindo suas asas sobre todos nós.
Referências
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.